Noam
Chomsky comenta o Levante Zapatista
Noam Chomsky, cientista de
prestígio, também é conhecido por suas idéias
libertárias e por sua permanente denúncia dos truculentos
mecanismos de poder nos Estado Unidos. De destacada atuação
contra a guerra no Vietnã, assumiu uma notável performance
no repúdio aos planos da equipe de Reagan, sobretudo no desencadeamento
da enlouquecida corrida armamentista. Atualmente aprofunda-se no estudo
do que denomina globalização das políticas neoliberais.
Por Noan Chomsky
No dia do Ano Novo de 1994, a sublevação
dos camponeses índios em Chiapas coincide com a promulgação
do NAFTA, acordo que foi denominado pelo exército Zapatista
"sentença de morte" para os índios; um golpe
dos ricos que tem como objetivo o alargamento da divisão existente
entre os ricos (a riqueza minuciosamente concentrada) e a massa consumida
pela miséria, junto com a destruição do que restava
da sociedade indígena.
O acordo do NAFTA é, em parte, simbólico;
os problemas que o originaram são muito mais profundos. "Somos
o produto de 500 anos de luta", estabelece a Declaração
de Guerra. Hoje, a luta é por "trabalho, terra, teto,
comida, saúde, educação, independência,
liberdade, justiça e paz". O vicário geral da diocese
de Chiapas completa: "O pano de fundo real é a completa
marginalização e a pobreza, juntamente com a frustração
acumulada de tantos anos. Estes elementos são os que dificultam
o melhoramento da situação".
Os camponeses índios são as piores
vítimas das políticas governamentais. Mas, sua desolação
é amplamente compartilhada. "Qualquer pessoa que tenha
tido a oportunidade de estar em contato com os milhões de mexicanos
que vivem na extrema pobreza, tem consciência de que está
convivendo com uma bomba de tempo", observa o colunista Pilar
Valdez.
Depois de uma década de reformas econômicas,
o número de pessoas que vive em extrema pobreza na área
rural se incrementou para mais do triplo. A metade de toda população
carece dos recursos para satisfazer as necessidades básicas,
o que vem aumentando dramaticamente desde 1980. Seguindo prescrições
do FMI e do Banco Mundial o desenvolvimento da agricultura foi sofreu
alteração pela exportação de alimentos
de origem animal, a pecuária acabou por beneficiar consumidores
estrangeiros e outros setores privilegiados do México. Desgraçadamente,
a desnutrição segue sendo o maior problema, enquanto
que a saúde, o emprego e a agricultura vão se degradando
aos poucos. As terras férteis são abandonadas e o México
começa a importar enormes quantidades de comida. Os salários
no setor industrial caem bruscamente. A incidência dos trabalhadores
no PIB, que vinha aumentando até meados dos anos 70, passa
a ter uma clara caída para muito menos de um terço do
que era. Estes são os modelos concomitantes das reformas neoliberais.
Segundo observações do economista Manuel Pastor, um
estudo do FMI nos expõe uma forte e consistente mostra da redução
da participação dos trabalhadores na riqueza, sob o
impacto de seus programas de estabilização na América
Latina.
O secretário do Comércio mexicano
vê a queda dos salários como um incentivo aos investidores
estrangeiros. E o é, juntamente com a repressão aos
trabalhadores, o relaxamento das restrições ambientais
e a orientação geral da política social dirigida
para satisfazer aos desejos de uma minoria privilegiada. Tais políticas
são naturalmente bem-vindas por parte dos industriais e das
instituições financeiras que estão aumentando
seu controle sobre a economia global com a assistência dos mal
chamados "acordos de livre comércio".
O que se espera do NAFTA é a retirada
dos trabalhadores das roças para fora de suas terras, contribuindo
para a miséria rural e o superávit de trabalhadores.
Os trabalhadores da indústria são cada vez menos necessários
diante das reformas e se espera que essa tendência aumente.
Um estudo efetuado por um jornal comercial, mas importante no México,
El Financeiro, predisse que o México poderia perder mais de
uma quarta parte de sua indústria manufatureira e 14% de seus
empregados nos próximos dois anos. Segundo uma reportagem de
Tim Golden no New York Times, "os economistas predizem que vários
milhões de mexicanos, provavelmente, perderão seus empregos
nos primeiros 5 anos a partir do momento em que o acordo comece a
fazer efeito". Estes processos poderiam diminuir os salários
muito mais ainda, enquanto prevalecerem os previsíveis efeitos
da polarização para os EE.UU. e Canadá, o crescimento
dos lucros.
Grande parte do atrativo do NAFTA, como regularmente
realçam seus defensores, é que encerra as reformas neoliberais
que anulam anos de progresso no que diz respeito aos direitos trabalhistas
e ao desenvolvimento econômico, conduzindo ao empobrecimento
e ao sofrimento massivos, junto com o enriquecimento dos investidores
estrangeiros e de uma minoria privilegiada. No geral, para a economia
mexicana, esta "vantagem econômica" trouxe uma "pequena
recompensa", segundo observações do jornal londrino
Finacial Times, ao analisar "8 anos de políticas de economia
de mercado" que produzem baixos índices de crescimento,
a maioria dos quais se atribuem à assistência financeira
não paralela do Banco Mundial e dos EE.UU., altas taxas de
juros são parcialmente convertidas pelo grande capital flutuante,
coisa que foi um importante fator na crise da dívida do México,
se bem que a dívida de serviços vem sendo um estorvo
crescente, seu maior componente é, na atualidade, a dívida
interna com os ricos mexicanos.
Houve uma substancial oposição
ao plano de "encerrar" este modelo de desenvolvimento. O
historiador Seth Fein escreve desde a cidade do México acerca
das grandes manifestações contra o NAFTA "bem articuladas,
se bem que também pouco divulgadas nos EE.UU., eram gritos
de frustração contra as políticas do governo
(concernentes à anulação dos direitos trabalhistas,
agrários e educacionais estipulados na Constituição
de 1917, popularmente reverenciada pela nação), que
aparece diante de muitos mexicanos como o real significado do NAFTA
e da política exterior estadunidense para o México".
No Los Angeles Times, Juanita Darling reporta acerca da grande ansiedade
existente entre os trabalhadores mexicanos em vista a erosão
sofrida pelos seus "duramente conquistados direitos trabalhistas",
que provavelmente serão "sacrificados pelas companhias
que, tratando de competir com companhias estrangeiras, buscam formas
de baratear os custos, começando por achatar os salários
ou simplesmente eliminá-los substituindo-as por máquinas
modernas".
Em 1o. de novembro sai um Comunicado dos Bispos
Mexicanos acerca do NAFTA que condena o acordo porque "aplica
uma série de políticas econômicas que dão
origem a efeitos sociais prejudiciais". No documento eles reiteram
que os conceitos expostos na Conferência de 1992 dos bispos
latino-americanos acerca de que "a economia de mercado não
pode converter-se em um valor absoluto pelo qual tudo deve ser sacrificado,
acentuando a iniqüidade e a marginalização de uma
grande parte da população"; o provável impacto
do NAFTA e os acordos sobre direitos de investimentos são similares.
O acordo também foi repudiado por muitos trabalhadores (incluídos
os enormes sindicatos não governamentais) e por outros grupos,
os quais advertem sobre o impacto que terão sobre os salários,
sobre os direitos dos trabalhadores, sobre o meio ambiente, a perda
da soberania, o incremento da proteção para as corporações
e os grupos investidores e a eliminação das possibilidades
de efetuar um desenvolvimento sustentado. Homero Aridjis, presidente
da maior organização ambientalista do México,
deplorou o que tipificou como "a terceira conquista que o México
sofreu. A primeira foi pelas armas, a segunda foi espiritual, a terceira
foi econômica".
Não falta muito para que tais temores
se concretizem na prática. Pouco tempo depois que o NAFTA foi
votado no Congresso, os trabalhadores dos campos de Honeywell e da
General Eletric foram demitidos pela tentativa de organizar sindicatos
independentes, o que é uma prática comum. A Ford Motor
Company demitiu toda sua mão de obra em 1987, rompendo o contrato
com o sindicato e voltou a contratar trabalhadores por salários
muito mais baixos. Os protestos foram suprimidos por meio de uma brutal
repressão. A Volkswagen continua com a atualização
em 1992, despedindo a seus 14 mil trabalhadores e recontratando apenas
aqueles que entregaram seus líderes dos sindicatos independentes,
apoiados pelo eterno partido do governo.
Estes são os componentes fundamentais
do "milagre econômico que encerra o NAFTA". A poucos
dias de havê-lo votado, o Senado dos EE.UU., aprova "o
mais admirável pacote anticrime da história" (segundo
o senador Orrin Hatch), contratando novos policiais, inaugurando prisões
regionais de alta segurança, um campo de recrutas para jovens
delinqüentes, extensão da pena de morte e severíssimas
sentenças, junto com outras onerosas condições.
Especialistas na aplicação da lei, foram entrevistados
pela imprensa diante da dúvida de que tal legislação
pudesse ter algum efeito sobre o crime, já que não aponta
as causas reais da desintegração da sociedade que produzem
os violentos criminosos. Primeiro entre estes estão as políticas
econômicas e sociais que polarizam a sociedade americana, as
que deram outro passo adiante com o NAFTA. Os conceitos de "eficiência"
e de "saúde econômica" prediletos pelos ricos
e privilegiados, nada oferece para o desenvolvimento dos setores da
população que carecem das possibilidades de criar melhorias,
conduzindo-lhes a pobreza e ao desespero. Se não podem confinar-lhes
às favelas, os controlarão de qualquer maneira.
A oportuna rebelião Zapatista e sua
coincidência com a ação legislativa estadunidense,
tem um significado maior que a meramente simbólica.
O debate do NAFTA se centrou muito mais, pelo
que se sabe, no fluxo dos empregos. Mas, numa expectativa mais segura,
seu maior impacto foi, em termos gerais, na violenta queda nos salários.
"Muitos economistas pensam que o NAFTA pode fazer cair os salários,
reporta Steven Pearlstein no Washington Post, sobre o pressuposto
de que "os baixos salários no México podem ter
um efeito gravitacional sobre os saldos dos americanos". Isto
é aceito, inclusive pelos defensores do NAFTA, os quais reconhecem
que fora os trabalhadores especializados (cerca de 70% do total da
mão de obra), o restante está exposto a ter um salário
baixo.
Uma investigação do New York
Times acerca dos possíveis efeitos do NAFTA, chega a conclusões
similares. Os ganhadores serão aqueles setores que estão
estruturados em função do setor financeiro, "a
zona bancária", as empresas de serviços e de telecomunicações:
companhias seguradoras, construtoras, empresas de direito corporativo,
assessores administrativos e similares. Alguns manufatureiros poderão
também poderão sair ganhando, primeiro a indústria
de alta tecnologia, editoriais, farmacêuticas, os quais sairão
beneficiados com uma maior proteção da propriedade intelectual,
o que está previsto para assegurar um maior controle das corporações
sobre a tecnologia do futuro. Mas também haverá perdedores,
entre os quais haverá um predomínio de "mulheres,
negros e hispânicos", e de trabalhadores da produção
semi-especializados, generalizando, isto significa a maior parte da
população de uma cidade onde cerca de 40% das crianças
já estão vivendo abaixo da linha da pobreza, sofrendo
carências sanitárias e educativas, o que os condena a
um amargo destino.
Nunca o salário real alcançou
o nível dos anos 60 para os trabalhadores da produção
e para os não supervisores, segundo dados da Oficina do Congresso
de Valorização da Tecnologia, em uma análise
da versão executiva do NAFTA, predizendo que não há
indícios significativos que revelem que "verdadeiramente,
no futuro, os EE.UU. mergulharão em um mundo de baixos salários
e baixa produção" pelo contrário, nas colocações
efetuadas pela OTA, pelo movimento sindical e por outros especialistas
(que analisaram os dados), poderiam até beneficiar às
populações dos três países.
A versão do NAFTA, que foi promulgada
provavelmente irá acelerar o "esperado desenvolvimento
de importância transcendental (Wall Street Journal), a redução
dos custos sindicais para os EE.UU. colocam esse país entre
um dos mais baixos índices no que diz respeito a qualquer outro
país industrial, exceto Inglaterra; até 1985 o custo
de uma hora de trabalho para um norte-americano era maior que em qualquer
um dos países do G7. Em uma economia globalizada o impacto
é mundial, e os competidores se iriam acomodando. A General
Motors pode transferir-se para o México ou até mesmo
para a Polônia, donde encontrará trabalhadores por uma
mínima fração de custo de mão de obra
do Ocidente, e ainda com a proteção de um incentivo
de 30%. A Volkswagen pode mudar-se para a Checoslováquia ou
Brasil para sacar benefícios de protecionismo similares, aproveitando
os lucros e deixando o governo local com os custos. Daimler Denz pode
fazer concessões similares no Alabama. O capital circula livremente;
trabalhadores e comunidades sofrem as conseqüências. Enquanto
isso, o assombroso crescimento do nunca regulado capital especulativo
impõe numerosas pressões sobre as políticas governamentais
estimulantes".
Estes são alguns dos fatores que conduzem
toda a sociedade mundial aos baixos salários, aos baixos índices
de desenvolvimento, a um futuro de um lucro concentrado, graças
à crescente polarização e à desintegração
da sociedade.
Outra conseqüência é a perda
de sentido dos chamados processos democráticos, quando a tomada
de decisões é concedida às instituições
privadas e às estruturas quase governamentais que se vão
fundindo em redor, o que o Financial Times denomina "governos
mundiais de fato" que operam em segredo e sem ter a quem prestar
contas a quem quer que seja.
Estes processos e desenvolvimentos pouco tem
a ver com o liberalismo econômico, um conceito insignificante
em um mundo onde o maior componente do "comércio"
consiste na administração centralizada das transações
intra-empresariais (por exemplo, a metade das "exportações"
dos EE.UU. para o México, jamais entraram no mercado mexicano).
Enquanto, como no passado, o poder privado manda e recebe proteção
para as forças do mercado. Enquanto isso, o Presidente Clinton
na Conferência de Seattle-Asia do Pacífico, oferece seu
modelo de "livre mercado" futuro à corporação
Boeing, que além de não ser a maior exportadora do país,
provavelmente nem sequer exista, exceto no sentido de receber, como
sempre, o enorme subsídio público.
O protesto dos camponeses índios em
Chiapas dá apenas um escasso reflexo das bombas de tempo que
estão esperando para explodir não apenas no México.
Extraído de Lucha Libertária,
Uruguai, Junho de 1994