Ao Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade
e contra o neoliberalismo.


Irmão e irmãs da Ásia, África, Oceania, Europa e América:

Queremos nos apresentar.

Nós somos o Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Bem-vindos às montanhas do sudeste mexicano.

Durante 10 anos estivemos vivendo nestas montanhas, preparando-nos para fazer uma guerra.

Dentro destas montanhas, construímos um exército.

Abaixo, nas cidades e nas fazendas, nós não existíamos.

Nossas vidas valiam menos que as máquinas e animais.

Éramos como pedras, como mato que há nos caminhos.

Não tínhamos palavra.

Não tínhamos rosto.

Não tínhamos nome.

Não tínhamos amanhã.

Nós não existíamos.

Para o poder, esse que hoje se veste mundialmente com o nome de "neoliberalismo", nós não contávamos, não produzíamos, não comprávamos, não vendíamos.

Éramos um número inútil para as contas do grande capital.

Então fomos à montanha para buscarmos bem e para ver se encontrávamos alívio para nossa dor de ser pedras e mato esquecido.

Aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, vivem nossos mortos. Muitas coisas sabem nossos mortos que vivem nas montanhas.

Nos falou sua morte e nós escutamos.

Trilhas que falam nos contaram outra história que vem de ontem e aponta para amanhã.

Nos falou a montanha a nós, os macehualob, os que somos gente comum e ordinária.

Os que somos gente simples, assim como nos dizem os poderosos.

Todos os dias e suas noites que arrastam quer o poderoso bailar-nos o x-tol e repetir sua brutal conquista.

O kaz-dzul, o homem falso, governa nossas terras e tem grandes máquinas de guerra que, como o boob que é metade puma e metade cavalo, espalham a dor e a morte entre nós.

O falso que é governo nos manda os aluxob, os mentirosos que enganam e dão esquecimento a nossa gente.

Por isso nos fizemos soldados.

Por isso seguimos sendo soldados.

Por que não queremos mais morte e engano para os nossos, por que não queremos o esquecimento.

A montanha nos falou de pegar as armas para assim ter voz.

Nos falou de cobrirmos a cara para assim ter rosto.

Nos falou de esquecer nosso nome para assim sermos mencionados.

Nos falou de guardar nosso passado para assim ter amanhã.

Na montanha vivem os mortos, nossos mortos.

Com eles vivem o Votán e o Ik'al, a luz e a escuridão, o úmido e o seco, a terra e o vento, a chuva e o fogo.

A montanha é a casa do Halach uinic, o homem verdadeiro, o alto chefe.

Aí aprendemos e aí recordamos que somos o que somos, os homens e mulheres verdadeiros.

Já com a voz armando nossas mãos, com o rosto nascido outra vez, com o nome mencionado, o ontem nosso somou o centro às quatro pontas de Chan Santa Cruz em Balam ná e nasceu a estrela que define ao homem e que lembra que 5 são as partes que fazem o mundo.

No tempo em que cavalgaram os chaacob espalhando a chuva, baixamos outra vez para falar com os nossos e preparar a tormenta que assinalaria o tempo da semeadura.

Nascemos a guerra com o ano branco e começamos a andar este caminho que nos levou até o coração de vocês e hoje trouxe vocês até o coração nosso.

Isto somos nós.

O Exército Zapatista de Libertação Nacional.

A voz que se arma para fazer-se ouvir.

O rosto que se esconde para mostrar-se.

O nome que se cala para ser mencionado.

A estrela vermelha que chama ao homem e ao mundo para que escutem, para que vejam, para que designem.

O amanhã se colhe no ontem.

Detrás de nosso rosto negro
Detrás de nossa voz armada.

Detrás de nosso inominável nome.

Detrás dos nós que vocês vêem.

Detrás estamos vocês.

Detrás estamos os mesmos homens e mulheres simples e ordinários que se repetem em todas as raças, se pintam de todas as cores, se falam em todas as línguas e se vivem em todos os lugares.

Os mesmos homens e mulheres esquecidos.

Os mesmos excluídos.

Os mesmos intolerados.

Os mesmos perseguidos.

Somos os mesmos vocês.

Detrás de nós estamos vocês.

Detrás de nossos gorros está o rosto de todas as mulheres excluídas.

De todos os indígenas esquecidos.

De todos os homossexuais perseguidos.

De todos os jovens desprezados.

De todos os migrantes golpeados.

De todos os presos por sua palavra e pensamento.

De todos os trabalhadores humilhados.

De todos os mortos pelo esquecimento.

De todos os homens e mulheres simples e ordinários que não contam, que não são vistos, que não são mencionados, que não têm amanhã.

Irmão e irmãs:

Nós os convidamos a este encontro para vir a buscar e a encontrar e encontrar-nos.

Todos vocês chegaram até nosso coração e devem ver que não somos especiais.

Devem ver que somos homens e mulheres simples e ordinários.

Devem ver que somos o espelho rebelde que quer ser cristal e romper-se.

Devem ver que somos o que somos para deixar de ser o que somos e para ser os vocês que somos.

Nós somos os zapatistas.

Convidamo-los para ecutarmo-nos e falarmo-nos todos.

Para vermo-nos os todos que somos.

Irmãos e irmãs:

Na montanha nos falaram as trilhas falantes e nos contaram histórias antigas que recordam nossas dores e nossas rebeldias.

Não acabaram nossos sonhos onde vivemos.

Não se renderá nossa bandeira.

Sempre viverá nossa morte.

Assim dizem as montanhas que nos falam

Assim fala a estrela que brilha em Chan Santa Cruz.

Assim nos diz que os cruzo, os rebeldes, não serão derrotados e seguirão seu caminho junto a todos que são na estrela humana.

Assim nos diz que virão sempre os homens vermelhos, os chacchac-mac, a estrela vermelha que ajudará o mundo a ser livre.

Assim nos diz a estrela que é montanha.

Que um povo que é cinco povos.

Que um povo que é estrela de todos os povos.

Que um povo que é homem e é todos os povos do mundo.

Virá para ajudar em sua luta aos mundos que se fazem gente.

Para que o homem e mulher verdadeiros vivam sem dor e se abrandem as pedras.

Todos vocês são os chacchac-mac, os que são povo que vem a ajudar o homem que se faz de cinco partes em todo o mundo, em todos os povos, nas gentes todas.

Todos vocês são a estrela vermelha que tem espelho em nós.

Poderemos seguir caminho bom se os vocês que somos nós caminhamos juntos.

Irmãos e irmãs:

Em nossos povos os mais antigos sabedores puseram uma cruz que é estrela onde nasce a água que dá vida.

Assim se marca o início da vida na montanha, com uma estrela.

Assim se nascem os arroios que descem a montanha e que levam a voz da estrela falante, de nossa Chan Santa Cruz.

Falou já a voz da montanha dizendo que viverão livres os homens e mulheres verdadeiros quando sejam-se os todos que promete a estrela de cinco pontas.

Quando os cinco povos se façam um na estrela.

Quando as cinco partes do homem que é mundo se encontrem e encontrem ao outro.

Quando os todos que são cinco encontrem seu lugar e o lugar do outro.

Hoje, milhares de caminhos distintos que vêm dos cinco continentes encontram-se aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, para juntar seus passos.

Hoje, milhares de palavras dos cinco continentes se calam aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, para escutar-se a umas e a outras e para ouvir-se elas mesmas.

Hoje, milhares de lutas dos cinco continentes lutam aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, pela vida e contra o morte.

Hoje, milhares de cores dos cinco continentes se pintam aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, para anunciar um amanhã de inclusão e tolerância.

Hoje, milhares de corações dos cinco continentes se vivem aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, pela humanidade e contra o neoliberalismo.

Hoje, milhares de seres humanos dos cinco continentes gritam seu "Já basta!". Aqui, nas montanhas do sudeste mexicano. Gritam Já basta! Ao conformismo, ao nada fazer, ao cinismo, ao egoísmo feito Deus moderno.

Hoje, milhares de pequenos mundos dos cinco continentes ensaiam um princípio aqui, nas montanhas do sudeste mexicano. O princípio da construção de um mundo novo e bom, ou seja, um mundo onde caibam todos os mundos.

Hoje, milhares de homens e mulheres dos cinco continentes iniciam aqui, nas montanhas do sudeste mexicano, o Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo.

Irmãos e Irmãs de todo o mundo:

Bem-vindos às montanhas do sudeste mexicano.

Bem vindos a este rincão do mundo onde todos somos iguais porque somos diferentes.

Bem vindos à busca da vida e à luta contra a morte.

Bem-vindos a este primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade e contra o Neoliberalismo.


Democracia!
Justiça!
Liberdade!
Desde as montanhas do sudeste mexicano.
Comitê Clandestino Revolucionário Indígena
Planeta Terra, julho de 1996.

 

EZLN - Chiapas, México, 27 de junho de 1996.