CEPRID

A procura da unidade anti-imperialista e anti-sionista entre forças políticas árabes

sábado 21 de Março de 2009 por CEPRID

Ángeles Maestro

O Fórum Internacional pela Resistência, o Anti-imperialismo, a Solidariedade entre os Povos e as Alternativas reuniu em Beirute nos dias 16, 17 e 18 de Janeiro. Participaram 450 delegados de organizações políticas, sociais, sindicais, etc. de 66 países de todo o mundo, mas sobretudo do mundo árabe e islâmico. A sua presença pôs em relevo um complexo processo de abordagem entre diferentes organizações que, a médio prazo, poderá mudar o panorama político do Médio Oriente.

Ao mesmo tempo, a 100 km de distância perpetrava-se a enésima e mais brutal matança contra o povo de Gaza, escassamente armado por parte da entidade sionista, primeira potência militar da região e uma das primeiras do mundo, que ocupa o seu território há 60 anos.

Uma vez mais, o criminosos massacre, que fazia sair às ruas milhões de pessoas, sobretudo árabes, indignadas contra o Estado sionista, era passivamente comtemplado quando não explicitamente apoiado pelos EUA, a EU e a grande maioria dos governos árabes, incluindo o de Mahmud Abbas.

O seu cinismo situa-se no habitual nível dos que falam do direito do ocupante se «defender», dos que pedem o embargo de armas ao povo atacado de Gaza, dos que falam da reconstrução pensando chorudos lucros que terão as suas empresas – como no Iraque –, e que pretendem concretizar sem entrar em linha de conta com o governo do Hamas, ou dos que discutem a «ajuda humanitária» para as vítimas dos governos dos EUA, da UE (incluindo de forma especial o Estado espanhol) ou a NATO, que são quem arma Israel até aos dentes.

A Resistência fortaleceu-se

No Fórum de Beirute apontava-se no mesmo sentido que depois se estendeu à «rua árabe», às organizações populares e à grande maioria dos meios de comunicação do Médio Oriente. Por todo o lado se falava da vitória em Gaza. Como é possível apoiar isso depois de 22 dias de bombardeamentos massivos e indiscriminados com armamento proibido internacionalmente que provocaram uma carnificina de 1.500 mortos e 5.000 feridos, frente a pouco mais de duas dezenas de mortos do lado israelita feitos em combate corpo a corpo nas ruas de Gaza e pelo lançamento de alguns mísseis sobre os assentamentos?

Israel não formulou publicamente os objectivos que perseguia no seu ataque a Gaza, diferentemente do que fez em 2006 em relação ao Líbano. A derrota ali sofrida fê-lo mais cauto. Não obstante, destacados membros do governo sionista como a sua ministra dos Estrangeiros, Tipzi Livni, não ocultava o evidete: tratava-se de dessotar o governo do Hamas e de o substituir pelo da Autoridade Nacional Palestina (ANP). Dois dias antes do começo do ataque a Gaza, Livni teve uma entrevista com Mubarak no Cairo para o informar pessoalmente disso e assegurar-lhe que seria «rápido e cirúrgico», com uma duração aproximada de três dias. A imprensa árabe, citada por Alberto Cruz num seu recente artigo [1], refere que entre 27 e 30 de Dezembro se instalaram no Sinai (Egipto) 400 elementos das forças de segurança de Mahmud Abbas, sob o comando de Mohammad Dahlan, preparados para se instalaram em Gaza depois da iminente queda do governo do Hamas.

O critério mais justo para fazer o balanço dá-o o presidente sírio Bachar el – Assad na entrevista feita pela televisão libanesa [2]: «Se a destruição de edifícios foi um dos fins da guerra contra o Líbano ou a Faixa de Gaza, o inimigo teria vencido arrasando casas. Se a finalidade era matar civis, também terá ganho a guerra. Mas se o objectivo central era erradicar a Resistência do ponto de vista estrutural, nesse caso foi derrotado.»

«Israel move-se com uma ideia: não me importa que não me amem, é preciso que me temam. Hoje essa ideia, em si mesma, foi derrotada. Hoje ninguém ama Israel e ninguém o teme. A partir destes critérios podemos julgar se houve ou não uma vitória.»

Tal como sucedeu no Líbano, vozes críticas começam a levantar-se nos meios oficiais israelitas: não pelas dimensões do crime, mas porque os objectivos – a destruição estratégica do Hams e a recomposição da sua imagem depois da derrota no Líbano – não foram cumpridos. Numerosos dirigentes israelitas já se expressaram qualificando o resultado de «match nulo» [3] acusam Olmert de ter acabado prematuramente as operações.

Mudança de estratégia e recomposição política no mundo árabe.

O fortalecimento da Resistência inscreve-se num processo complexo de mudança de estratégia das principais organizações políticas árabes e de configuração de uma frente unificada da Resistência, da qual fazem parte os acontecimentos do Líbano em 2006 e o de Gaza em 2009, mas que tem um carácter geral no mundo árabe e islâmico.

Depois do primeiro ataque ao Iraque em 1991, a subsequente conferência de Madrid no mesmo ano, os acordos de Oslo e a unificação do Iémen inicia-se um período marcado pelo sentimento de derrota, de impotência e de capitulações que só começa a mudar com a Intifada do ano 2000.

O renascimento da Resistência não é apenas uma mudança da atitude popular perante o Estado sionista, os seus aliados externos (EUA, UE) e o seu projecto estratégico «O grande Médio oriente» [4]. A vontade de luta também se vai articulando contra os governos árabes e a ANP, cada vez mais considerados como aliados dos primeiros e cujo grau de corrupção e vulnerabilidade dos princípios democráticos mais elementares é progressivamente compreendido pela «rua árabe», contra a qual lançam crescente repressão. Mesmo assim, estes regimes são peças chave, e assim são identificados pelos seus cidadãos, com um discurso ideológico e mediático baseado no «terrorismo» e no «fundamentalismo», com grande aceitação na opinião pública da UE e dos EUA, mas de escassa credibilidade entre o seus povos que demonstram cada dia ao mundo – no meio do horror – a sua inquebrantável vontade de luta.

O ressurgimento da Resistência vai associado a complexos processos políticos inéditos no mundo árabe que afectam as suas três principais correntes ideológicas: o islamismo político, o comunismo e o nacionalismo democrático baazista-nasserista. O ponto de partida é a dupla percepção:

• Da inapelável derrota de cada uma das posições se actuar não só isolada das outras duas, mas também se tiver como estratégia o seu aniquilamento. • O carácter integral e demolidor do projecto de dominação euro- estadunidense-sionista no Médio Oriente e a sua vontade evidente de impô-lo a ferro e fogo.

Nicolas Dot Pouillard [5] fez uma importante análise [6] destes processos denunciando o interesse da «comunidade internacional» de falsear e confundir as dinâmicas árabes e de as apresenta como confrontos entre «laicos» e «religiosos» e «Islão moderado« e «fundamentalismo». Não é difícil deduzir com que termos qualificam os aliados e quais os que utilizam para a Resistência.

O processo político de fundo é a construção de uma Resistência popular anti-sionista e anti-imperialista unificada, tendo por base acordos políticos, de diálogo e de estreitamento de laços no decorrer da mesma luta.

O processo na Palestina

A pesar do abandono da OLP por parte da FPLP e da FDLP se ter dado com consequência da recua do «processo de paz» apoiado pela OLP de Arafat, é com o ressurgimento da Intifada do ano 2000 que começam a tecer-se os laços de ambas as organizações com o Hamas e com a Jihad.

Os primeiros passos da nova aliança são manifestos na resistência armada. Desde 2001 que funciona um comando unificado que integra as Brigadas Ezzedine al Quasem do Hamas, as Brigadas Abou Ali Mustapha da FPLP, as Brigadas de Resistência Nacional da FDLP e as Brigadas Al Quds da Jihad Islâmica.

As eleições municipais de 2004 foram as primeiras que se realizaram desde 1967 [7]. Então, Israel pretendeu através de eleições debilitar a OLP potenciando personalidades «controladas». O resultado foi exactamente o contrário: o povo palestino votou massivamente nos candidatos da OLP. O Estado sionista optou pelo desterro, a prisão ou o atentado contra os eleitos. Vinte e oito anos depois o principal acontecimento era a participação do Hamas, expoente máximo da rejeição dos acordos de paz. Precisamente para evitar a presença de candidatos pelo Hamas à frente dos municípios foi a razão principal por que Arafat adiou, uma e outra vez, a realização de eleições [8].

A grande novidade destas eleições não foi só o importante resultado eleitoral tido pelo Hamas, mas a concretização da aliança política entre o Hamas, a FPLP, A FDLP, a Jihad e o PPP (Partido do Povo da Palestina, antigo Partido Comunista), contra a Fatah. Esta aliança articulada politicamente pela rejeição dos acordos de Oslo em geral e contra o entreguismo da Autoridade Nacional Palestina (ANP), também inclui sectores dissidentes da Fatah, agrupados nos Comités Populares da Resistência (CPR). Este acordo sobre o papel central da Resistência, a luta contra a corrupção e a defesa dos direitos sócio-económicos permitiu às forças coligadas conquistar muitas e importantes municípios, como Belém ou Ramalah, fosse em listas conjuntas ou votando no candidato melhor colocado, pondo assim de lado a ANP e preparando a vitória nas legislativas do Hamas em 2006.

Estas alianzas representam a ponta de um grande iceberg e não estão isentas de contradições, de aproximações progressivas e conflitos, de subtis redes de diálogo e de confiança mútua – se se tiver em conta a enorme distância ideológica de partida - e só são possíveis entre os lutam duramente do mesmo lado da trincheira.

Dot Pouillard refere um facto no artigo citado que bem pode resumir e ilustrar a complexidade dos acontecimentos: «o Hamas depois da sua vitória nas eleições legislativas de Janeiro de 2006, nomeou drector dos novos serviços de segurança palestinos formados pelo governo Hamas um dos principais activistas dos CPR, Jamal Samhadana, antigo militante da Fatah. Tratava-se de enfrentar, sobretudo na Faixa de Gaza, as forças de segurança dirigidas por Mohammad Dahlan, dirigente da Fatah. (…) Deste modo Saed Siyyam, o novo ministro do Interior palestino, membro do Hamas, escolhe um antigo membro da Fatah , isto é um elemento político do nacionalismo palestino, para dirigir uns serviços de segurança que tinham como objectivo fundamental disputar no terreno o predomínio armado da segurança preventiva, que estava ligada à direcção da Fatah.» O quadro completar-se-ia poucos meses depois quando Samhadana, em Junho de 2006, morreu vítima de assassínio selectivo de Israel.

A «Frente de Resistência» do Líbano

Um processo semelhante está a desenvolver-se há anos no Líbano, onde os avanços eleitorais, acordos políticos e colaboração armada se foram consolidando e se tornaram evidentes durante o ataque de Israel no Verão de 2006 e sua posterior derrota. A liderança política e militar do Hezbollah é indiscutível, mas dentro do que se conhece como «Frente da Resistência», coligação que integra, para além do Amal, o Partido Comunista do Líbano (PCL), movimentos pró-sirios, como Marada a que pertence o deputado Sleiman Frangié, a Corrente Patriótica Livre do general Michel Aoun, maioritária na comunidade cristã, e toda uma série de forças nacionalistas e progressistas, como o Movimento do povo de Najah Wakim ou a Terceira Força, do anterior primeiro-ministro Selim Hoss.

No Líbano diz-se que se uma família tem sete filhos, quatro serão militantes do Hezbollah, dois do PCL, um do Amal e todos serão da Resistência.

A opinião popular predominante pensa que esta unidade, num país assolado por guerras civis, foi o factor determinante para a vitória sobre Israel, e por sua vez contribuiu para ampliar e fortalecer essa mesma unidade. Uma das expressões dessa unidade foi o aparecimento do jornal Al-Akbar, considerado como de esquerda, próximo do Hezbollah e que assume como objectivo é a procura e desenvolvimento de linhas políticas e ideológicas coincidentes entre a esquerda, o nacionalismo e o islamismo. Outro facto de enorme transcendência, entre muitos outros ocorridos em diferentes campos, foi a Conferência Geral de Apoio à Resistência, realizado em Março de 2006 em Beirute e organizado pelo Centro de Estudos pela Unidade Árabe, fundado em 1994. Os Fóruns Internacionais de Beirute de Dezembro de 2006 e o que acaba de se realizar em meados de Janeiro de 2009 são expressões do mesmo tipo de processo de reconstrução da Resistência, que não está livre de escolhos e de contradições.

Os confrontos à volta de diversos problemas, como a crítica feita conjuntamente pela FPLP e a Jihad ao Hamas sobre o confronto armado directo e permanente entre o Hamas e a ANP ou as diferenças entre o Hezbollah e o PCL sobre a reforma da Lei eleitoral e as características do projecto nacional alternativo, são discussões entre aliados e não parecem ameaçar o processo de unidade. Em todo o caso, as dificuldades são evidentes quando, como no caso do Líbano, se fala não apenas da unidade táctica frente ao inimigo mas também das alternativas ao sistema político e económico e quando, além disso, as possibilidades de a maioria real se materializar no governo são cada dia mais.

O que é uma realidade é que o processo de recomposição política que se está dar no Líbano e na palestina existe, com diferentes níveis de desenvolvimento em todo o mundo árabe e de forma particular no Egipto [9]. Este país é provavelmente, depois da Palestina, do Líbano e do Iraque [10], aquele em que o processo de desestabilização do regime é mais intenso, com uma ascensão muito importante da luta do movimento operário e estudantil. É também aquele em que possíveis mudanças políticas teriam maior transcendência regional, como mostra a sua convulsa história, oseu constante papel de mediador político e o facto concludente de ser, depois de Israel, o maior receptor de ajuda militar dos EUA, o que diz bem da sua importância estratégica para os interesses do sio-imperialismo na zona.

O saldo dos acontecimentos mais significativos destes últimos dois anos:

• o golpe de Estado de Abbas rompendo a legalidade palestina e formando um governo apoiado por Israel, Os EUA e a UE, o criminoso bloqueio de Gaza com a tenteativa – falhada uma vez mais – de vergar o seu povo pela fome na esperança de derrubar o seu governo legítimo, o ataque ao Líbano no Verão de 2006 e os 22 dias de massacre iniciados em 27 de Dezembro de 2008.

• Ficou demonstrado, apesar da descomunal desigualdade militar no líbano e em Gaza, que a Entdade sionista não é invencível, que é possível resistir, resistir e ganhar.

• Constactou-se que a trama de leis e de instancias internacionais são, no melhor dos casos, papel de embrulho e que todos os governos do mundo – com excepção dos da Venezuela, Bolívia e Cuba que não tem relações com Israel – assistem impassíveis à matança e destruição. Consequentemente, os povos árabes sabem que apenas podem contar com os seus recursos.

• O Estado de Israel mostrou o seu rosto mais selvagem no Líbano e em Gaza, tal como os EUA no Iraque, mas ambos actuam em representação e seguindo o guião do plano integral de dominação da zona do «Grande Médio Oriente», que também integra a UE e a Turquia e os regimes árabes, e que tem a NATO como seu instrumento político-militar privilegiado.

• O desenvolvimento deste plano e o fortalecimento da luta da Resistência põem cada vez mais em evidência o enorme grau de corrupção e o alinhamento da maior parte dos governos árabes, e de forma muito particular da ANP, com os interesses do sio-imperialismo, por sua vez em crescente crise económica que se abate intensamente sobre as classes populares, Embora por diferentes razões, o Líbano, a Síria e o Qatar são casos à parte.

• As vitórias da Resistência no Líbano e em Gaza são o resultado directo da vontade decidida de luta dos seus povos e do efeito multiplicador da unidade de acção, política e militar, das suas organizações, gérmen de caminhos mais difíceis de proposta política alternativa comum ensinam ao povo árabe – como à classe operária e aos demais povos do mundo – o único caminho possível: a unidade e a luta.

Notas:

[1] Cruz, A. (2009) CEPRID. “La matanza de Gaza pone al régimen de Mubarak en graves apuros”. Ver el artículo en: www.nodo50.org

[2] Entrevista exclusiva concedida por el presidente Bachar el-Asad a la televisión libanesa Al-Manar (www.almanar.com.lb) el día 26 de enero de 2009.

[3] http://www.jpost.com/servlet/

[4] Para lo relacionado con este macroproyecto de dominación militar, económica y cultural de EE.UU., la U.E. e Israel sobre Oriente puede verse Maestro, A.(2007) “La OTAN en Oriente Medio, el puño de hierro de la dominación económica” en www.lahaine.org

[5] Nicolas Dot Pouillard es doctor en Ciencias Políticas en LA Escuela de Altos Estudios en Ciencias Sociales- EHESS (París) y en la Universidad Libanesa (Beirut)

[6] Dot Pouillard, Nicolas (2009) “Un islamismo ouvert sur sa gauche: l´emergence d´un nouveau tires-mondisme arabe?. www.cetri.be

[7] Un interesante análisis sobre los cambios ocurridos el las elecciones municipales de 2004, puede verse en Balawi, Hassan (2006) “Elecciones municipales en Palestina: un cambio progresivo” www.iemed.org

[8] Ibid. Pág, 130

[9] Un análisis reciente de las repercusiones de la masacre de Gaza sobre el proceso político Egipcio, en el que se dan acercamientos entre los Hermanos Mulsumanes, fuerzas de izquierda y el movimiento obrero, en medio de una feroz represión por parte del gobierno del 2º país receptor – tras Israel – de ayuda militar de EE.UU. puede verse en Cruz, Alberto (2009) “La matanza de Gaza pone al régimen de Mubarak en grandes apuros” www.nodo50.org , Cruz, Alberto (2008) “Egipto y Líbano: dos huelgas, una estrategia y una realidad” www.nodo50.org y en Hossam El-Hamalawy (2008) “La resistencia en Egipto” www.nodo50.org

[10] En Iraq se están dando desde la ocupación procesos de gran complejidad en la recomposición del escenario político y militar que no son analizados en este artículo. Documentos recientes sobre este tema pueden consultarse en: www.nodo50.org

*Ángeles Maestro é dirigente de Corriente Roja e amiga e colaboradora de odiario.info

Tradução de José Paulo Gascão


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